A voz ( ou "Ela")




imagem divulgação:  Annapurna Pictures 


Ontem, ao usar meu aplicativo GPS preferido, fui surpreendido por uma nova voz. Sem qualquer aviso prévio. Sem despedida. A voz que me acompanhava há meses se foi. Assim, sem mais nem menos, uma estranha estava me dizendo o que eu deveria fazer, por onde deveria ir... Passado o choque inicial percebi que aquela voz me causava antipatia. Não. Não era uma reação instintiva por ela ter usurpado o posto da robótica voz anterior. Havia, de fato, algo que me incomodava em sua fala. Comecei a prestar atenção. Percebi que sua pronúncia era perfeita..muito melhor que a minha guia anterior, a qual falava picotando as palavras, trocando proparoxítonas por oxítonas, acentos tônicos por abertos, ou vice-versa, e fazia pronúncias hilárias. Mas por que então a empatia era maior pela trôpega e robótica voz anterior? Após vários "vire a direita", "vire a esquerda" e algumas "rotatórias" (e não "rotatorías" como a outra dizia) encontrei o que tanto me irritava: a entonação !

Uma simples questão prosódica ! Sabe aqueles avisos feitos por funcionários pelo sistema de som de lojas ou mercados do tipo " Sr tal favor compareceeeer ao setor de alimeeeeenntooos .... " ? com uma entonação que, não sei por que motivo, só aparece nessa mídia ? Ninguém fala assim normalmente.  Parece que há um virus nos microfones de lojas que contaminam a entonação da voz de quem o utiliza. Provavelmente foi usado um desses microfones pela locutora contratada para dar um "up" na interface do aplicativo. investiram bastante nessa "melhoria" e conseguiram, como resultado, irritar muuuito este usuário que vos escreve. Seria apenas uma birra minha ? Não. Todos que me acompanhava no carro manifestaram a mesma irritação.

Como meu instinto investigativo não tira folga aos finais de semana fui levantando hipóteses... e acho que encontrei uma razoável: "Uncanny Valley" ! Sim, aquele fenômeno observado por pesquisadores da área de robótica em que as pessoas sentem empatia crescente por um robô à medida que esse mais se aproxime de aparência e comportamento humanos, mas até um ponto em que se aproxima tanto que... começa a causar aversão! Motivo provável: ao parecer muito com um ser humano, porém com algumas pequenas imperfeições, não condizentes com o comportamento humano, dispara-se algum mecanismo de defesa presente em nosso código genético. Para sair do Uncanny Valley só há duas maneiras: reduzir a qualidade da antropomorfização, deixando claro se tratar de um ente não humano, ou aperfeiçoá-lo a ponto de ser quase indiferenciável de uma pessoa de verdade.

Pelo jeito esse fenômeno ocorre também com interfaces de voz.. vivendo e aprendendo... saudades da voz robótica...

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